As armas da guerra
As bombas que matam indiscriminadamente, os blindados que entram pelas cidades adentro, as espingardas, mísseis e drones que lhes fazem frente. Estas são as armas de que ouvimos falar todos os dias, as armas com que se faz a guerra na Ucrânia
Três semanas de guerra. O avanço russo vai lento. No leste, em Kharkiv, problemas de abastecimento de munições. No sul, o cerco a Mariupol aperta, mas o Instituto americano para o Estudo da Guerra (ISW) afirma que são falsas as alegações por parte dos russos de que toda a região de Kherson foi tomada, uma vez que não se registam avanços em direção a Zaporizhya ou Mykolaiv. O mesmo ISW diz também que é impro´vável que a esquadra da marinha estacionada no Mar Negro avance para um desembarque em Odessa sem que se consiga coordenar em simultâneo um ataque por terra.
A noroeste de Kiev, uma coluna russa com quil´ómetros aproxima-se. Em Irpin, trava-se uma batalha feroz, onde os ucranianos têm sido bem sucedidos na missão de travar o inimigo. "São uns patetas, estão a voar sobre nós e a disparar não sei para onde", diz um soldado ucraniano, num vídeo gravado pela televisão militar do Ministério da Defesa da Ucrânia. Do outro lado, a coluna que deverá cercar a cidade pelo leste tem feito avanços pouco significativos.
Mas uma resistência ucraniana feroz, que impede o exército invasor de entrar em todas estas cidades, tem um efeito colateral: na impossibilidade de penetrar as defesas ucranianas, os russos bombardeiam de longe, sem distinguir entre alvos militares e civis, com a intenção de que a barbárie faça capitular Zelensky.
A morte num sopro
Os cidadãos sabem que quando as sirenes tocam devem dirigir-se para os abrigos sinalizados. Em todas as cidades da Ucrânia, mas principalmente nas que já estão cercadas, a morte pode acontecer num segundo - um clarão, uma onda de choque, um fragmento, uma explosão. Segundo um trabalho da Reuters onde foram consultados vários especialistas do Instituto Internacional de Estudos Estratégicos (IISS), só nas primeiras horas de invasão russa foram largadas mais de 100 bombas e mísseis em solo ucraniano. Ao Expresso, Nuno Rogeiro, investigador em questões de defesa e segurança e comentador da SIC, explica que grande parte da destruíção está a ser feita por mísseis táticos, como o Iskander (a NATO chama-lhe SS26 Stone), com um alcance até 500 km, e por mísseis cruzeiro, como o Kalibr, de maior alcance, que pode ser lançado a partir de terra, a partir de aviões, os MiG ou os Sukhoi, ou a partir da esquadra da marinha russa estacionada no Mar Negro.
Nesta fase em que muitas cidades já estão cercadas e na impossibilidade de alcançar a superioridade aérea, os russos têm também recorrido a bombas menos inteligentes, que não são guiadas, e que, em vez de atingirem um alvo específico, bombardeiam à zona, matando indiscriminadamente militares e civis. Para este efeito são utilizados, para além dos aviões, os lança-foguetes múltiplos. Veículos de transporte que podem estar equipados com 30, 40 tubos. Existe o MB-21, o sucessor do famoso "órgão de Estaline", mas há outros como o OTR-21 Tochka, ou os BM-30 Smerch ou ainda os TOS-1 Buratino. Os mísseis táticos e as bombas que matam indiscriminadamente são responsáveis por grande parte da destruição em cidades como Kharkiv ou Mariupol.
Um piloto coronel da Força Aérea Portuguesa, que participou na primeira missão de policiamento aéreo nos países bálticos aquando da sua adesão à NATO, explica ao Expresso que "as bombas podem ter propulsão ou serem simplesmente largadas, que podem ser guiadas ou não, e que, quando caem, podem ter três efeitos: fragmentação, incendiário ou sopro". Há ainda as bombas para fins gerais, que podem reunir numa só bomba os três efeitos. Os russos têm ainda utilizado as "cluster bombs", um invólucro que se abre antes de chegar ao destino e se desmultiplica em várias bombas mais pequenas, chamadas "bomblets". Esta fonte da Força Aérea Portuguesa explica ao Expresso que "estas bombas foram proibidas pela Convenção de Genebra, porque muitas vezes não detonam e transformam-se em minas que podem vir a explodir mais tarde, após o conflito".
O inimigo cara a cara
O objetivo final dos bombardeamentos é permitir que as cidades sejam ocupadas de facto. É nesta fase que ucranianos e russos lutam cara a cara. Carros de combate e infantaria travam batalhas de vila em vila, rua a rua, casa a casa. Para dar uma cidade como conquistada, são precisos homens que possam tomar os edifícios do poder e máquinas que os ajudem a manter a ordem e a suprimir qualquer sublevação. Os russos fazem-no a custo: as Nações Unidas estimam que, desde o início do conflito, já tenham perdido entre 5000 a 6000 homens. Os números de baixas humanas e de equipamento destruído são difíceis de confirmar. Afinal, a guerra acontece também na esfera da informação. A consultora Oryx faz a contagem em tempo real do equipamento destruído e só contabiliza aquilo que pode confirmar com fotografias ou vídeos. Até agora, confirma a perda, por parte dos russos, de 233 carros de combate (tanques de guerra), 208 ve´ículos blindados de combate de infantaria (IFV) e 68 veículos blindados de transporte de pessoal (APC). O vídeo acima passa-se em Mariupol. São imagens de drone das forças armadas ucranianas e mostram uma batalha violenta onde se pode ver um destes veículos, com o símbolo "Z" pintado na frente, ser destruído pelos ucranianos.
Fora dos carros de combate, a infantaria russa está geralmente equipada com a nova AK-15, que Nuno Rogeiro considera "uma das melhores espingardas automáticas do momento", com a A-545, utilizada pelos Spetnaz, e com o lança-granadas AGS-40 Balkan, de calibre 40 mm.
2/3/2022. Veículo de combate de infantaria, BMP-2, destruído.
2/3/2022. Veículo de combate de infantaria, BMP-2, destruído.
12/03/2022. Tanque de guerra russo T-72 destruído
12/03/2022. Tanque de guerra russo T-72 destruído
10/03/2022. Um APC, BTR-80, destruído
10/03/2022. Um APC, BTR-80, destruído
"Preciso de munições,
não de boleia"
A frase de Volodymyr Zelensky, proferida depois de lhe ter sido oferecido salvo conduto pelos americanos para fugir de Kiev, marcava o início daquilo que viria a ser uma resistência feroz e sangrenta à invasão. Nas cidades que pensavam que iam libertar, os russos encontraram ruas e avenidas interditadas com obstáculos anticarro, arame farpado e sinalética destruída ou substituída por gritos de guerra e mensagens de boas-vindas sarcásticas. Os cidadãos que ficaram para lutar são ensinados a fazer cocktails molotov e a manusear espingardas automáticas como a AK-47, como se vê nas imagens abaixo, tiradas em Lviv pelo enviado especial do Expresso à Ucrânia, Tiago Miranda. No sul, Odessa, por exemplo, ainda não está cercada, mas tem a esquadra do Mar Negro estacionada a poucas centenas de quilómetros da sua costa e já caíram bombas na região. O Instituto americano para o Estudo da Guerra (ISW) diz que é pouco provável que haja um desembarque sem que a coluna vinda da Crimeia lá chegue por terra, mas a cidade está absolutamente fortificada. Até os monumentos foram protegidos com sacos de areia trazidos da praia.
"O grande pesadelo dos russos são sem dúvida os mísseis Javelin e os drones Bayraktar", diz Nuno Rogeiro. "Os ucranianos têm na realidade muito mais do que aquilo que os russos pensavam". Duas armas perfeitas para a resistência: móveis, letais, silenciosas. O drone que pode ser lançado do terraço de um prédio e o míssil guiado que pode ser disparado de uma esquina. As duas estão na origem da destruição de grande parte dos carros de combate russos e Joe Biden já disse que vai enviar mais: 6.000 sistemas anti-blindagem, 100 lança-granadas, 20 milhões de munições de armas pequenas e morteiros, 400 espingardas e 100 sistemas aéreos não tripulados táticos ('drones'). O lançador de mísseis Javelin, de fabrico americano, é especialmente letal porque é disparado para o ar e faz um ataque vertical, detonando no topo do carro de combate, precisamente onde a fuselagem é mais frágil. A resistência ucraniana usa também a Arma Leve Anticarro da nova geração (NLAW), de fabrico inglês e sueco, de disparo único, um sistema comummente chamado fire and forget, "disparar e esquecer", em português.
Mas não é só em terra que a invasão russa perde. A superioridade aérea, elemento chave para garantir o apoio às tropas no solo, os russos ainda não a têm, algo que o piloto da Força Aérea Portuguesa entrevistado pelo Expresso diz não compreender. "Só se pode explicar partindo do pressuposto de que os russos sabem que não fizeram uma depressão eficaz da defesa aérea ucraniana. Devem estar a jogar o jogo do gato e do rato com os S-300 que não conseguiram destruir logo no início e com os MANPAD [sistemas de defesa aérea portáteis]". Nuno Rogeiro acrescenta que os ucranianos são pródigos na chamada "guerra do engodo" e que ao longo das últimas décadas construíram uma "vasta rede de sistemas de defesa aérea falsos". O S-300 é um sistema de lançamento de míssil terra-ar de longo alcance, capaz de abater aviões a alta altitude. Remanescências da União Soviética que a Ucrânia herdou. Montados em camiões e modernizados, obrigam os aviões russos a voar a baixas altitudes, deixando-os ao alcance dos Man-Portable Air-Defense systems (MANPAD), sistemas de defesa aérea portáteis, como os Stinger, os Piorun (Polacos), os Starstreak (ingleses), e os Igla 3 modernizados. Todos eles podem ser carregados ao ombro pela infantaria.
Um impasse que obriga os russos a recorrerem à estratégia mais segura para o seu próprio exército: de longe, reduzir as cidades a escombros, na esperança de fazer capitular o inimigo ou tornar menos mortal a sua entrada forçada. Dum lado e do outro, estas são as armas com que se mata e destrói na Ucrânia.
Créditos
Texto Rúben Tiago Pereira
Infografia Jaime Figueiredo
Webdesign Tiago Pereira Santos
Vídeos Reuters
Fotografia Tiago Miranda, Oryx, Getty
Coordenação Joana Beleza e David Dinis
Direção João Vieira Pereira
Expresso 2022