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Luciana Leiderfarb
Jornalista
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Uma coisa entre as coisas até encontrar o seu leitor, disse ele
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Exclusivo Assinantes | |
17 fevereiro 2023
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Estante que se preze, que se use, nunca está arrumada. Pode até ter uma ordem, mas só para a transgredir. É um pouco como Wittgenstein escreveu no final do seu “Tratado Lógico-Filosófico” — sim, isso mesmo: “As minhas proposições são elucidativas pelo facto de que aquele que as compreende as reconhece afinal como falhas de sentido, quando por elas se elevou para lá delas. (Tem que, por assim dizer, deitar fora a escada, depois de ter subido por ela).” Depois, continua ele, vê-se o mundo a direito. Quando uma estante ultrapassa o estado de imaculada arrumação, quando começa a falhar a ordem alfabética, porque um leitor quis que um livro de Kafka estivesse antes ao pé de um de Albert Camus ou que um Asimov convivesse com um Bradbury, atinge o seu propósito, o seu destino.
É o mundo a direito daquele leitor, que pode ser de outro o avesso. Todos terão lugar na grande biblioteca hexagonal e infinita de Borges, inclusive a sua “Biblioteca Pessoal”, livro agora reeditado pela Quetzal, escrito em 1985, um ano antes da morte do escritor argentino. São incluídos autores que ele considerava essenciais — Cortázar, George Bernard Shaw, Chesterton, Flaubert, Henri Michaux, Jonathan Swift, Leopoldo Lugones — e que, como afirma, vieram ao seu encontro. “Um livro é uma coisa entre as coisas, um volume perdido entre os volumes que povoam o indiferente Universo, até que encontra o seu leitor, o homem destinado aos seus símbolos”, disse ele no curto prólogo.
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Neste mês de fevereiro, muitas são as obras que os portugueses poderão acrescentar à sua estante, e serve esta newsletter para fazer de Borges, isto é, para que alguns livros encontrem o (seu) leitor. Esta semana saiu uma nova tradução de “Ana Karénina”, de Lev Tolstoi, diretamente a partir do russo e levada a cabo por Nina e Filipe Guerra, vencedores do Grande Prémio de Tradução Literária APT/PEN Clube Português — a terceira obra do autor no âmbito do trabalho que a Presença tem vindo a fazer desde o ano passado. E para não falar só de escritores que já morreram, bem viva está a espanhola Rosa Montero no seu livro “O perigo de estar no meu perfeito juízo”, acabado de chegar pela Porto Editora, e que começa assim: “Sempre soube que na minha cabeça alguma coisa não funcionava muito bem.” Ela encontra-se neste momento na Póvoa de Varzim, onde decorre até dia 18 o Correntes d’Escritas, no qual o último livro de Maria do Rosário Pedreira (“O Meu Corpo Humano”) acabou de ganhar o prémio de 20 mil euros anualmente atribuído pelo festival.
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Ao contrário de outros assuntos mais obscuros — Portugal teve disso um brutal relance esta semana — a vigência dos livros não prescreve. Por isso, os dois que Javier Marías escreveu no início e a meio da sua carreira literária, lançados pela Alfaguara, podem servir para lhe completar o retrato. Aqui está a opinião de Pedro Mexia nas páginas deste jornal. E aqui um apanhado da reflexão de Marías sobre um outro tema quente: o que se passa quando a ficção é julgada segundo as bitolas morais da realidade, ou seja, por um critério extra-artístico. Não por acaso, também por estes dias, o novo romance de Salman Rushdie, “Victory City”, editado em simultâneo nos EUA e na Inglaterra — e que em Portugal está previsto sair em outubro pela D. Quixote —, veio recordar como, neste mundo, escrever pode significar enfrentar a morte.
Somos homens e mulheres a viverem tempos sombrios, e por isso não podemos deixar de aspirar a compreender o mundo e aquilo que, retrospetivamente, será fixado na História. “Por Onde Irá a História? (Clube do Autor), de Miguel Monjardino, é uma coletânea dos textos publicados no Expresso e está já nas livrarias. O professor convidado de Geopolítica e Geoestratégia do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa atravessa vários temas, e também fala sobre Portugal: “Somos um país fixado no presente, os possíveis futuros não nos intrigam muito. Um país adolescente, um país Instagram, o que vier logo se vê”, disse ele a este jornal.
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